Queridos leitores, obrigado por continuarem aqui e boas-vindas a quem está chegando agora. O tema de hoje está bem legal, mas antes de focar nele, me permitam divagar por dois parágrafos.
Divagação 1: Agosto passou depressa. Foi mais ensolarado e agradável do que lembrava, e o friozinho foi muito bem-vindo para os treinos deste maratonista amador. De todos os fatores que influenciam meu rendimento na corrida, a temperatura é o mais importante. Depois de suar excessivamente por quase um ano no sudeste asiático, temperaturas abaixo de 20 graus são recebidas com um sorrisão aqui em casa. Minha pele, maltratada pelo sal e sol forte, também agradece :)
Divagação 2: Sempre gostei de dar aulas, porque estar no papel de professor me faz aprender muito enquanto conecto os pontos e me esforço para compartilhar conhecimento da maneira mais prática e aplicável possível. Fui aceito no programa de doutorado da Universidade de Toronto e quase apliquei para o PhD da Harvard Business School após o MBA, mas não segui em frente porque não queria ser um teórico. Meus melhores professores foram aqueles que falavam do que haviam vivido e aprendido em primeira pessoa. Acredito que é preciso primeiro viver, fazer, errar e aprender para depois ensinar. Pois bem, acho que já meti a mão na massa o suficiente para reativar o papel do professor que ensina o que faz. Recentemente, lancei meu primeiro programa assíncrono focado em ajudar empreendedores a escalarem seus negócios através do capital de investidores, o Escale seu Negócio (tem aula grátis sobre as alavancas da escalabilidade do iFood, confira aqui). É o mesmo conteúdo do Jornada do Fundraising, porém com alguns adendos tocando na questão da escalabilidade, um pedido de vocês. Tem sido muito gratificante receber alunos que eu não atingiria sem o meio digital, e este é apenas o começo de uma atividade que, para mim, veio para ficar. Ensinar e compartilhar conhecimento é vocacional; é onde vivo e aplico o meu melhor. Me aguentem agora, rs.
Vamos à pauta de hoje: sou frequentemente questionado sobre mercados promissores, sobre onde alocaria meu próprio capital. Aqui vai uma leitura empírica sobre mercados que me interessam e que certamente crescerão. Cada um desses mercados tem nichos e subnichos atualmente subatendidos, mas meu intuito não é desenvolver teses de investimento específicas, e sim compartilhar espaços que estão aquecidos para a inovação, influenciados por fatores comportamentais, pela realidade brasileira e por tendências seculares. As tendências seculares são movimentos ou mudanças de longo prazo que têm um impacto duradouro em indústrias, mercados ou sociedades, ocorrendo ao longo de várias décadas.
MUNDO PET: Cada vez temos menos filhos. Filhos custam caro, dão (muito) trabalho e, com cada vez menos ajuda da rede de apoio que alimentou e acolheu nossa humanidade até agora, ter filhos é um luxo (leia meu polêmico artigo sobre o tema aqui). O buraco existencial permanece, e a necessidade de se doar e conectar com algo além de nós mesmos está sendo bem suprida por fiéis escudeiros com nomes cada vez mais humanizados (o Golden do meu vizinho tem o mesmo nome do meu filho, Kai, rs). Não é à toa que o mercado pet cresce mais de 15% ao ano, movimentando 13,5 bilhões de dólares em 2023. Com famílias menores e uma população que vive mais (outro tema quente), a demanda por animais de estimação que tragam afeto e propósito aos lares só aumenta, resultando em um fluxo crescente de capital para o setor. Além disso, cresce a busca por produtos e serviços premium, como planos de saúde para animais, alimentos naturais e cuidados especializados como fisioterapia e psicologia animal. As oportunidades vão além do óbvio, incluindo inovações tecnológicas para monitoramento de saúde animal, plataformas que conectam profissionais, assistência veterinária por inteligência artificial (IA), entre outras possibilidades.
LONGEVIDADE: Com o envelhecimento da população, a demanda por produtos e serviços voltados para viver mais e melhor só aumenta. Não me refiro apenas a endereçar as necessidades da terceira idade, mas também a produtos e serviços que permitam que a turma 40+ amadureça com mais prazer e menos dor. Isso inclui desde cuidados de saúde e bem-estar até habitação adaptada, lazer, educação continuada e fintechs focadas em aposentadoria e planejamento financeiro. Perda de peso, por exemplo, é um mercado gigante e eu o incorporo nesta categoria porque sabemos que obesidade está inversamente relacionada à longevidade. O mercado de terapias medicamentosas para o tratamento da obesidade representou, sozinho, quase 1 bilhão de dólares em 2023. O mercado de longevidade como um todo deve crescer 25% ao ano até 2030 (fonte).
TELEMEDICINA E SAÚDE DIGITAL: A pandemia acelerou a adoção de soluções de telemedicina e saúde digital, criando um mercado robusto para inovações que melhoram o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde. Aplicativos, wearables e plataformas de gestão de saúde estão crescendo rapidamente. A gestão de hospitais, clínicas e planos de saúde clama por inovação urgente, e nós, consumidores, sentimos isso com o aumento contínuo dos custos dos planos, sempre acima da inflação. Precisamos de soluções dinâmicas e inovadoras para prevenir e diagnosticar os principais problemas de saúde no Brasil, como as doenças cardíacas, tratando-as na fonte com o menor custo e maior eficácia possível. Com o aumento da longevidade, esses desafios só tendem a crescer. Ou seja, existem dores gigantes tanto no B2B (clínicas, operadoras, médicos) quanto no B2C (wearables, comunicação e orientações personalizadas, porém automatizadas). A Nilo, startup que investi em 2021, é um belo exemplo de inovação em saúde B2B.
A saúde é um dos setores mais difíceis de inovar devido à complexidade do sistema, com muitas partes envolvidas e a natural aversão ao risco de quem lida com vidas humanas. Aqui, precisamos de empreendedores que compreendam profundamente a cadeia de valor e possuam resiliência e paciência extras para enfrentar e superar os entraves do sistema. Empreender em saúde, em particular, não é para amadores.
EDUCAÇÃO E REQUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: Com as rápidas mudanças no mercado de trabalho, a necessidade por educação contínua e requalificação está em ascensão. Edtechs que oferecem cursos online, bootcamps e programas de capacitação voltados para novas habilidades, como programação, gestão de dados e competências digitais, estão bem posicionadas para crescer. Não é novidade: muitos profissionais que realizam tarefas repetitivas serão substituídos pela IA, e essa turma precisa ser recapacitada para atuar de forma mais estratégica ou em áreas que a máquina dificilmente substituirá. Cada um precisará decidir onde focar, e posições como acompanhante de idosos, enfermeiros, construção civil e as inúmeras possibilidades do empreendedorismo poderão fazer sentido. Há muito espaço para ajudar a capacitar quem precisa ou decide fazer a transição de funcionário para próprio chefe.
No Brasil, escolas de negócios no estilo G4, focadas em aprendizado prático e rápido, têm grande potencial para ocupar o espaço das instituições tradicionais, que ainda ensinam empresários com base em teoria. O país é formado majoritariamente por pequenas e médias empresas, e o empreendedor da economia real valoriza muito o aprendizado. No entanto, esse aprendizado precisa ser prático, rapidamente aplicável e focado em resultados – especialmente de curto prazo. Embora reconheça nossa natureza tupiniquim imediatista, trabalho para ajudar a cultivar uma cultura de longo prazo em nosso ecossistema de negócios, incentivando a criação e aplicação de estratégias de valor duradouro através do planejamento estratégico e testes radicais de inovação (foi assim que o iFood aconteceu).
PRODUTIVIDADE DAS PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS BRASILEIRAS: Como mencionei, somos o país do empreendedor pequeno e médio, que juntos representam 50% do nosso PIB. Essa turma raçuda, que faz das tripas coração, merece todo o respeito e admiração. Ao mergulhar nas rotinas desses empresários, encontramos inúmeras oportunidades de melhoria em processos, gestão e eficiência. É impressionante como ainda há um volume absurdo de tarefas sendo feitas manualmente, especialmente nos Departamentos de Pessoal (DP) e na área financeira. A digitalização e automação desses processos são essenciais para aumentar a produtividade e a competitividade das PMEs no Brasil. Ferramentas de gestão, soluções de e-commerce e fintechs focadas em crédito e gestão financeira estão em alta demanda. A adoção de novas tecnologias por esse segmento é uma oportunidade clara de crescimento, que combina propósito e impacto positivo ao ajudar quem realmente faz o Brasil acontecer.
PAGAMENTOS B2B: O setor de pagamentos entre empresas (B2B) está passando por uma transformação profunda com a digitalização dos processos financeiros. Soluções que facilitam transações, automatizam conciliações, preveem receitas e despesas, oferecem crédito ajustado a perfis de risco específicos (como o iFood Pago, que conhece a fundo o perfil dos seus clientes restaurantes), e otimizam o fluxo de caixa entre empresas estão em alta. As fintechs que inovam nesse espaço não apenas reduzem custos operacionais e aumentam a eficiência das transações, mas também oferecem crédito precificado de forma mais justa, adaptado ao risco de cada cliente — algo que os grandes bancos ainda não conseguem fazer com a mesma precisão. É crucial olhar atentamente para nichos específicos, como franquias, agro, setor imobiliário e comércio exterior. Há muito valor a ser destravado aqui.
E-COMMERCE DE NICHO: O crescimento do comércio eletrônico no Brasil abriu espaço para lojas especializadas que atendem nichos específicos, como produtos veganos, artesanais, focados em saúde desportiva e fitness, e de origem sustentável. Com consumidores cada vez mais exigentes e conscientes, há uma demanda crescente por experiências de compra personalizadas que oferecem um senso de comunidade e aprendizado, indo além de produtos comoditizados. Exemplos interessantes incluem Growth Suplementos e Dux Human Health, ambas no setor de nutrição desportiva (sou cliente das duas :)) e Oriba e Insider, no setor de moda masculina (fui investidor da Oriba).
ENERGIA RENOVÁVEL: A transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável é uma tendência global que também está ganhando força no Brasil. Energia solar, eólica, e soluções de armazenamento de energia estão entre as áreas mais promissoras, especialmente com a crescente demanda por alternativas aos combustíveis fósseis. As demandas são da indústria, que precisa urgentemente diminuir sua pegada de carbono e, aos poucos, dos consumidores, que já se deram conta de que precisamos mudar para deixarmos um planeta melhor para nossos filhos e netos. O mercado de Climatech e Sustentabilidade oferece ao Brasil um convite ao protagonismo, dadas suas riquezas naturais abundantes. Não podemos perder a chance de inovar e impactar o mundo positivamente alavancando o que temos de melhor. Startups como Lemon Energia, Mombak e Bia Energy (investimos em 2022, enquanto no GFC) atuam direta ou indiretamente no setor, e estamos apenas no começo.
TECNOLOGIA AGRÁRIA (Agtech): O Brasil, como um dos maiores produtores agrícolas do mundo, apresenta enormes oportunidades para inovação no campo. Temos a EMBRAPA, que é case global de destaque e comprova nossa capacidade de inovação no setor, alinhado ao incentivo econômico em inovar porque a agropecuária representa 7.2% do PIB brasileiro. Soluções que melhoram a eficiência, produtividade e sustentabilidade das operações agrícolas, como monitoramento por drones, IoT e big data, estão em alta demanda. Há investidores focados 100% no setor e o potencial é gigantesco. Investidores de destaque são a SP Ventures, Barn e Mandi Ventures.
GESTÃO DE RESÍDUOS E ECONOMIA CIRCULAR: Com o aumento da consciência ambiental, há uma oportunidade significativa em negócios que oferecem soluções para a gestão eficiente de resíduos e promovem a economia circular. Iniciativas que transformam resíduos em novos produtos ou que incentivam a reutilização e reciclagem estão ganhando tração. As empresas, em boa parte, já acordaram para a questão da sustentabilidade e, aos poucos, o consumidor de massa começa a perceber que nosso ritmo de consumo é insustentável. Não dá para comprar blusinha da Zara e da H&M todo mês. Precisamos primeiro consumir com mais consciência, e depois tratar os resíduos com mais cautela e tecnologia para diminuir o impacto ambiental. Enquanto era investidor no GFC, investimos na Musa, focada na coleta e gestão de resíduos.
Em resumo, há 10 mercados alinhados com mudanças comportamentais, tendências seculares e a nossa dinâmica regional, oferecendo oportunidades que vão desde pequenos negócios B2C, como e-commerces nichados, até a criação de empresas B2B que podem se tornar líderes globais em setores como agricultura, energia e sustentabilidade. Também vejo um grande potencial para gerar impacto e valor em SaaS B2B para pequenas e médias empresas, no setor de pagamentos B2B, além dos segmentos pet e de longevidade.
E a inteligência artificial? A IA estará presente em todas essas iniciativas. Embora devamos investir no desenvolvimento de IA proprietária no Brasil e América Latina, é importante reconhecer que não temos o solo mais fértil para o desenvolvimento de IA pura, quando comparado aos investimentos e avanços liderados pelos EUA e China. No entanto, temos oportunidades incríveis para desenvolver e aplicar a IA em problemas que são únicos para nós, como discutido acima.
Ufa! Espero ter conseguido te prender até aqui.
Bora construir?
Alex
“Os melhores momentos de nossas vidas não são os momentos passivos, receptivos e relaxantes—embora tais experiências também possam ser agradáveis, se trabalhamos duro para alcançá-las. Os melhores momentos geralmente ocorrem quando o corpo ou a mente de uma pessoa são levados ao limite em um esforço voluntário para realizar algo difícil e valioso.
A experiência ótima é, portanto, algo que fazemos acontecer. Para uma criança, pode ser colocar com dedos trêmulos o último bloco em uma torre que ela construiu, mais alta do que qualquer uma que tenha feito até agora; para um nadador, pode ser tentar superar seu próprio recorde; para um violinista, dominar uma passagem musical complexa. Para cada pessoa, há milhares de oportunidades e desafios para nos expandirmos.”
― Mihaly Csikszentmihalyi, Flow: A Psicologia do Alto Desempenho e da Felicidade
Excelente!! Muito insights de sobra para encontrar bons problemas à se resolver. Abs Alex
Incrível como um mercado sólido que é a atividade “Pet” no Brasil e afora, tem-se passado informal num aspecto dos mais importantes e mais profundos que saem do cenário apenas do lucro num apelo por consumo de insumos e varejo. Falo diretamente sobre o atendimento aos tutores e cães que recebemos diariamente. Busco um parceiro de intenções para escalar essa abordagem num contexto sólido e provadamente assertivo pelos números atuais.