Que bizarra a época em que estamos vivendo. Cada vez conheço mais casais que optam por não ter filhos. Sem julgamento de valores, cada um decide o que quer. No entanto, vários desses casais argumentam que ter filhos “não vale a pena", que “está muito caro” criar uma criança, e que a vida moderna “não comporta a ma/paternidade". Por pressões materiais de curto prazo somos levados a tomar decisões de longo prazo; as férias no Caribe e o pico de dopamina do carro novo passam, os filhos ficam. A capacidade de reprodução, que é a definição da vida do ponto de vista biológico, se transformou numa decisão de investimento. Curioso que este movimento é ainda mais forte nos países ricos, nos quais a abundância deveria prevalecer. Veja a contradição: abundância daquilo que é material, escassez daquilo que é sagrado, primordial e natural. Nestes países o individualismo e a busca por doses cada vez mais altas de dopamina fazem a conta parecer não fechar quando ela inclui se doar ao outro. Mesmo que o outro seja o próprio filho.
De forma simplista, para uma população se manter estável em termos numéricos, cada mulher deve ter em média 2,1 filhos. É o número ideal para os casais “se reporem”. Hoje, países como Portugal (1,19 filhos por mulher), Alemanha (1,35), Itália (1,21), Japão (1,36) e Coreia do Sul (0,84, pasmem!) estão em envelhecimento e declínio populacional acelerado. Materialmente, isso gera um baita desafio para garantir a sustentabilidade econômica e previdenciária do país, com escassez de mão de obra em diversos setores. Em 2022 os EUA registrou a menor taxa de natalidade histórica: 1,6 filhos por mulher. O Brasil está ainda mais baixo, com 1,54 filhos por mulher. Será que a humanidade irá de autoextinguir por vontade própria?
Quando olhamos além da raça humana, há precedentes. Existem evidências de que animais que vivem em ambientes com recursos escassos, como espaço e comida, frequentemente reduzem ou até param de se reproduzir. Isso acontece porque a reprodução requer muita energia, e quando os alimentos são escassos, os animais priorizam a sobrevivência. Por exemplo, em algumas espécies de roedores, a baixa disponibilidade de alimentos pode levar a uma maturação sexual atrasada e a taxas de fertilidade reduzidas. Além disso, o estresse causado pela limitação de recursos pode impactar os níveis hormonais, afetando as funções reprodutivas. Hormônios do estresse elevados, como o cortisol, podem suprimir hormônios reprodutivos, levando a um sucesso reprodutivo menor. Alguma semelhança com nossa realidade?
Em paralelo, outras atividades que sempre fizeram parte da vida humana até pouco tempo atrás são tratadas igualmente como privilégios: mexer o corpo com frequência (não, não fomos feitos para passar o dia sentados em frente ao computador) e comer frutas e verduras em abundância (nos países ricos, comer alimentos frescos e simples virou ostentação, fast food é bem mais acessível) se tornaram benefícios de poucos privilegiados. Saímos do campo para a cidade, deixamos os vilarejos, comunidades pequenas e agricultura para irmos atrás da abundância e prosperidade da vida moderna na cidade grande para vivermos isolados e individualistas, sedentários, e nos alimentando de comida ultraprocessada. Como assim?
Criar filhos de fato não é tarefa fácil (nem barata), especialmente sem a rede de apoio de avós, tios, primos e amigos que sempre foi fundamental neste processo. Mas as melhores coisas da vida não são as fáceis. É o comprometimento, a dedicação, e o observar do florescimento dos pequenos que dá sentido a existência.
Sou otimista por natureza e sempre acho que vai dar certo, mas às vezes acho que nossa sociedade está de fato doente. Será que sempre foi assim?
Bora se mexer e construir um amanhã melhor do que hoje, para os nossos filhos, sobrinhos, amigos e para aqueles que ainda virão.
Let's hike!
Alex
P.S.: meu objetivo não é criticar quem opta por não ter filhos; respeito as decisões de cada família e quem sou eu para c*gar opinião à respeito. Minha intenção é provocar uma reflexão sobre os valores do nosso tempo e o quanto estamos normalizando a materialidade de tudo.
"A saúde está na ação, e por isso ela agracia a juventude. Estar ocupado é o segredo da graça e metade do segredo da satisfação. Vamos pedir aos deuses não por posses, mas por coisas para fazer; a felicidade está em criar coisas, e não em consumi-las."
— Will Durant