“San Francisco is a city of Firsts” — essa frase resume o espírito da cidade. Aqui, quebrar padrões e assumir riscos é o que move as pessoas. Seja na luta por direitos individuais, preservação ambiental ou na criação de novas tecnologias, San Francisco é pioneira, moldando o futuro do mundo.
Foi aqui e nos arredores que, embalados por ácido, paz e amor, a Revolução Hippie começou; a Apple foi fundada na garagem de Jobs e Wozniak; e o Silicon Valley se tornou o berço das maiores inovações tecnológicas — Google, Facebook, Uber, Airbnb. A cidade também lidera revoluções no transporte urbano com o Muni e, mais recentemente, com carros autônomos, como o Waymo, que tive o privilégio de testar. Impressionante: rodar pela cidade sem motorista já é realidade.

Mas, como tudo na vida, há custos. San Francisco tem uma das cargas tributárias mais altas dos EUA e um custo de vida elevado. A crise de moradia e a desigualdade social são problemas reais, especialmente em bairros como Tenderloin, onde a falta de soluções eficazes desafia a cidade. É impressionante que, enquanto rodava de Waymo, que dirigia suave e naturalmente com o banco do motorista vazio, via o outro lado da natureza humana: miséria, abuso de drogas a céu aberto e falta de esperança.
San Francisco é um exemplo de criatividade e transformação, mas também é uma cidade de contrastes. Foi minha décima visita a cidade, e ela sempre me provoca.
Brazil at Silicon Valley: anotações e rabiscos
Minha segunda participação no Brazil at Silicon Valley (BSV), evento organizado por estudantes brasileiros de Stanford e Berkeley, foi uma fonte de aprendizados e reflexões. Como sempre digo, morar na Ilha da Magia (Floripa) é um privilégio, mas é essencial sair da ilha, romper a bolha e buscar novas perspectivas com frequência. E quando falamos de tecnologia, ao menos no Ocidente, a fonte é o Vale do Silício. A BSV é um evento que reúne o que há de mais relevante na tech scene do Brasil e dos EUA, proporcionando um ambiente de troca, aprendizado e reflexão. Exclusivo e "invitation only", com cerca de 600 participantes, o evento justifica as longas horas de viagem até San Francisco. Os organizadores deste ano mandaram muito bem, o evento estava excelente, parabéns!
Até pouco tempo, achei que o burburinho em torno da inteligência artificial (AI) fosse excessivo. E de fato, ainda há muito ruído. No entanto, já passamos da fase dos LLMs, e as camadas de aplicação da AI estão mais profundas e prontas para entregar valor além da simples edição de textos e fotos.
Agora, bora falar sobre o que realmente me chamou a atenção durante os dois dias de evento, na terra onde se vive e respira AI (a turma por lá diz que as startups de AI estão trabalhando 12X7, ou seja, 12 horas por dia, 7 dias por semana — a nova corrida do ouro).
A Inteligência Artificial Não é Mais Opcional
Há dois anos, ter inteligência artificial (AI) aplicada ao negócio era um diferencial. Hoje, tornou-se uma necessidade. Startups que não são “AI native” não são nem consideradas pelos investidores de risco (VCs).
Uma tendência emergente é o surgimento de equipes muito pequenas, impulsionadas pela AI. Novas empresas estão gerando receita com menos funcionários, o que trouxe à tona uma nova métrica: receita por funcionário, uma análise geralmente aplicada apenas a empresas mais maduras.
Perguntas críticas para líderes em transformação: O que vocês aprenderam até agora? O que precisam aprender, dado o novo contexto?
Em empresas mais maduras, a adoção de AI não acompanha a velocidade do desenvolvimento da tecnologia, nem a adoção nas startups. Estariam os incumbentes ficando para trás?
Contratos e Segurança de Dados
Para garantir contratos relevantes com clientes enterprise em AI, a questão da segurança dos dados é essencial. As empresas precisam responder: O que será feito com meus dados privados, uma vez que estejam plugados na sua plataforma?
O custo de adoção de AI é mais baixo do que o de adoção de SaaS. Muitas empresas, que ainda não utilizam SaaS, estão indo diretamente para AI, pulando a etapa do SaaS. Isso é verdade especialmente para as pequenas e médias.
Perspectivas de Venture Capital e Limited Partners
Historicamente, os retornos de venture nos EUA, especialmente no Vale do Silício, têm sido consistentemente superiores a qualquer outra região. Isso explica por que o capital está se concentrando cada vez mais lá. Com a volatilidade política e a ameaça de universidades receberem menos recursos dos governos, mais dinheiro de endowments universitários será alocado em ativos líquidos, que podem ser utilizados para cobrir necessidades dessas universidades.
Isso significa menos capital dos endowments (principais alocadores de venture capital nos EUA) indo para ativos ilíquidos, como o venture capital, que tem um longo período de liquidez, muitas vezes superior a 10 anos. Isso pode resultar em menos capital disponível para inovação e risco, e uma maior concentração de recursos no Vale do Silício, em detrimento de regiões emergentes como América Latina e Brasil.
Serendipidade e Ecossistemas
Discutimos como um ecossistema precisa de serendipidade para florescer: a combinação de fatores macro e uma dinâmica local que levam a resultados extraordinários. O Vale do Silício é um exemplo disso. Ali, uma combinação de um forte polo acadêmico, uma cultura de risco e inovação, e um ecossistema de investidores e empreendedores bem conectados levou à criação de um dos maiores hubs tecnológicos do mundo.
Entretanto, serendipidade exige um ambiente estável, o que é uma raridade na América Latina. Quando o cenário de venture melhora, com o capital de risco entrando de verdade, a volatilidade da região pode reduzir o apetite por risco, tornando a inovação disruptiva mais difícil. Será que o Uber e o Nubank se desenvolveriam no Brasil com o cenário de 2022 até hoje? Haveria capital paciente suficiente para alimentá-los?
Como diz a turma por aqui, “monkey see, monkey do”: acreditamos e repetimos os padrões do que enxergamos e experimentamos diretamente. Ao testemunhar grandes ideias se materializando, passamos a acreditar que criar em escala é possível. Nos espelhamos em nossos pares e, muitas vezes, colocamos tetos que herdamos dos nossos vizinhos. Esses limites, que foram definidos por aqueles à nossa volta, acabam influenciando as nossas próprias expectativas e possibilidades. É por isso que o ecossistema do Vale é tão poderoso: ele nos mostra que, ao quebrar esses tetos, podemos alcançar o que parecia impossível. Macaco vê, macaco faz.
O Que os Melhores Empreendedores Têm em Comum?
David Friedberg, fundador da Climate Corp, destaca que os melhores empreendedores possuem a combinação de: Narrativa, Mão na Massa, e Grit/Resiliência/Casca Grossa. Eles acreditam no instinto antes de terem todas as informações necessárias para a tomada de decisão.
China vs EUA
A turma acredita que a China realmente está ultrapassando os EUA em termos de poder econômico, tecnológico e, consequentemente, político. As tarifas comerciais intensas dos EUA visam desacelerar a China e fazer um “catch up”. As previsões indicam que, se continuar nesse ritmo, a China ultrapassará os EUA entre 2040-45.
Infraestrutura e Dados
Divesh Makan, da Iconiq Capital, aponta que investimentos em infraestrutura estão em alta, com empresas de tecnologia investindo cada vez mais em data centers próprios, em vez de alugar espaços.
Use Case de AI no UCSF Hospital
No UCSF Hospital, testaram AI para diagnosticar tumores em exames de imagem. Aplicando o modelo de AI em 22 milhões de imagens, identificaram um erro de 15% nos diagnósticos de radiologistas humanos. A AI tem um poder de processamento e análise muito superior, podendo substituir ou complementar o trabalho humano em áreas como radiologia, direito, contabilidade e muito mais. Isso não é o futuro, é hoje. Um radiologista humano, no auge da sua carreira, possui um “acervo mental” de aproximadamente 18.000 diagnósticos, no máximo; hoje, o ai já trabalha com uma base de 22 milhões de data points.
O Futuro dos Apps e Agentes de AI
Divesh Makan prevê que os apps, como os conhecemos, irão desaparecer. Eles se tornarão agentes de AI, com as big techs criando sistemas operacionais que permitirão aos desenvolvedores criar agentes de AI de maneira semelhante à criação de apps hoje.
Mudança na Forma de Trabalhar: AI Como Co-Piloto
Greg Shove, CEO da Section AI, defende que usar AI é como pegar emprestado 30 pontos de QI. A recomendação dele para líderes é sempre perguntar: "O que o AI pensa sobre isso?" Cada decisão deve ser acompanhada da consulta ao AI, o que não significa trapacear. A qualidade do input e das perguntas feitas ao AI importa mais do que o próprio AI em si.
Vale relembrar: consultar a ai não é trapacear. É um imperativo.
A Revolução da AI em Software
Hoje, engenheiros de software estão sendo potencializados pela AI, entregando muito mais com menos. Esse fenômeno chegará aos profissionais do conhecimento em todas as áreas, impactando não apenas os times tech, mas também as áreas de negócios. Um engenheiro sênior hoje entrega o equivalente a um squad de 2 anos atrás; o mesmo irá acontecer com todas as demais áreas.
Nas Magnificent 7 — as empresas de tecnologia mais valiosas do mundo (Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet, Meta, Nvidia, Tesla) — as novas contratações estão sendo congeladas, forçando todos dentro da organização a adotarem AI para impulsionar a produtividade. O instinto natural é expandir as equipes conforme o volume de trabalho cresce, mas a AI redefine essa lógica. Sem uma pressão explícita, dificilmente vamos mudar de forma proativa. Essa tendência segue o que Tobi Lutke, CEO do Shopify, destacou em seu famoso memo que vazou na Internet no início de abril (25): qualquer nova vaga só poderá ser aberta se ficar comprovado que a AI não consegue executar aquela função.
Preparação para o Futuro
Em Pequim, crianças de 6 anos já fazem 8 horas de treinamento com AI por ano. A Harvard Business School implementou um curso obrigatório de AI para todos os alunos de MBA do primeiro ano. Em um futuro não tão distante, qualquer profissional precisará ser fluente em AI, ou perderá o controle.
O Poder do Ecossistema e a Cultura de Inovação
Empresas que nascem no Vale do Silício têm 1000X mais chances de se tornarem unicórnios. Um ecossistema saudável é aquele que combina pessoas, ideias, abundância de capital e um baixo nível de insegurança/ansiedade. Isso cria um ambiente fértil para inovação.
AI Vai Substituir Empregos?
Embora a AI vá impactar tarefas dentro dos empregos, ela não substituirá completamente os empregos. Muitos trabalhos serão automatizados, mas o papel do ser humano continuará crucial em tarefas criativas, estratégicas e de julgamento.
Fireside chat com Dave Yuan, fundador da Tidemark Capital, fundo de Private Equity especializado em investimentos em SaaS verticalizado.
Dave ganhou destaque ao escrever artigos influentes sobre o modelo de SaaS verticalizado, defendendo uma tese de criação de valor que tem se mostrado superior aos investimentos em software em geral, incluindo SaaS horizontais. Em resumo, a tese afirma que empresas de SaaS verticalizado criam mais valor ao oferecerem um produto que se torna o ponto de controle na jornada do usuário, sendo essencial para a operação e gestão do negócio — tipicamente, um ERP.
A partir desse "ponto de controle", essas empresas aumentam o valor que entregam ao cliente ao oferecer soluções satélites que resolvem problemas paralelos e secundários na jornada do cliente. Isso, por sua vez, aumenta o LTV (Lifetime Value) e diminui o churn. Em termos práticos, empresas de SaaS verticalizado operam com múltiplos superiores aos de empresas de SaaS horizontal, como Adobe e Salesforce, pois apresentam métricas mais robustas, como LTV/CAC e a famosa "rule of 40".
O caso da Toast e a evolução do SaaS verticalizado
No bate-papo, Dave trouxe o exemplo da Toast, um SaaS para restaurantes, que ilustra muito bem essa tese. A Toast se posiciona como o ponto de controle para donos de restaurantes e é associada a diversas soluções de software integradas a esse ponto de controle — como sistemas de ponto de venda (POS), pagamentos, CRM e soluções para o varejo, transformando-se mais em uma plataforma do que em uma simples solução única.
Hoje, com a integração de AI, Dave enxerga um futuro onde empresas de SaaS verticalizado não só vendem para seus clientes, mas também para os funcionários dos clientes, fornecedores e outros participantes da cadeia de valor. No caso da Toast, por exemplo, isso pode significar vender planos de saúde para os funcionários dos restaurantes clientes. As possibilidades são praticamente infinitas, e a AI acelera tudo. Curiosamente, na Softplan, usamos o framework da Tidemark como inspiração e reflexão para guiar nossas decisões estratégicas sobre como criar e desenvolver verticais vencedoras.
NPS e o valor futuro de um cliente
Um comentário interessante que vale para qualquer empresa de SaaS é o seguinte: de acordo com Dave, o NPS (Net Promoter Score) do onboarding do cliente é o preditor mais robusto de quanto aquele cliente comprará mais de você no futuro.
Resumo da ópera: o poder do SaaS verticalizado
Em resumo, uma empresa de SaaS que resolve de forma excepcional a dor do cliente com uma solução que se torna um ponto de controle — com alto custo de troca e praticamente insubstituível — tem uma “unfair advantage” para vender qualquer coisa para o seu cliente no futuro. Isso também é verdade para soluções de AI, como agentes de AI, que podem ser rápidos ganhos.
As ameaças que a AI representa para modelos resilientes de SaaS verticalizado
Mas quais são as ameaças da AI para modelos aparentemente tão resilientes, como os de SaaS verticalizado? A substituição de funcionários, em sua totalidade, é uma possibilidade pouco provável. Contudo, se isso ocorrer, as soluções SaaS se tornariam praticamente irrelevantes, pois elas são projetadas para gerenciar múltiplos times, processos e responsabilidades, e haveria menos pessoas para gerenciar negócios.
Além disso, com menos pessoas nas empresas, é essencial que as empresas de SaaS ajustem a precificação, não com base no número de licenças ou funcionários, mas no valor real criado. O que vale aqui é: crie e venda o software que vai fazer o trabalho das pessoas! Alavanque AI para isso. Seja o ponto central de recebimento e organização dos dados da companhia. Quanto mais central for a sua solução, maior o poder de barganha na precificação.
A onda da AI e o papel dos CEOs de SaaS verticalizados
Por fim, meus dois centavos sobre a onda que estamos vivendo: SaaS, mais do que ser "Software as a Service", está se tornando "Service as a Software". Ou seja, o software está executando um serviço que antes era feito de forma não escalável, custosa e personalizada — é a AI fazendo o trabalho de um humano. Para quem quiser se aprofundar, este tema tem sido discutido desde os idos 2024.
Quais são as duas características mais importantes de um CEO de uma empresa de SaaS verticalizado? Conexão com o cliente, entendendo profundamente suas dores e necessidades, e curiosidade, sempre se perguntando “o que mais posso estar fazendo?”, “what's next?”.
Por fim …
Este artigo reflete a onda que estamos vivendo. A revolução tecnológica impulsionada pela AI está transformando profundamente a forma como trabalhamos e gerenciamos empresas. Aqueles que souberem se adaptar, se capacitar e liderar essa mudança estarão à frente. A pressão é grande e real. Menos medo, mais ação.
Ufa, foram 9 páginas de anotações transcritas aqui. Espero que tenha sido útil para você, assim como foi para mim. Como diz Dave, da Tidemark: "escrever é pensar". E, como nos lembra Robert Waldinger, do Harvard Happiness Study e do livro The Good Life: "relacionamentos são a chave para uma vida feliz e saudável". Em tempos de AI-everything, é importante não esquecer disso.
Vamos que vamos!
Alex
"Por favor, não importa o quanto avancemos tecnologicamente, por favor, não abandone o livro. Não há nada em nosso mundo material mais belo do que o livro."
Discurso de entrega do prêmio, National Book Award 2010 (Nonfiction), November 17, 2010
― Patti Smith
Insights muito interessantes... de impacto direto, noto essa visão de "times pequenos impulsionados por IA". Acredito que ser um Gestor de IA já é uma habilidade indispensável. É a nova datilografia, ou o "coding" dessa geração.