Live more, fear less
A vida de fato expande na mesma proporção em que vencemos os nossos medos
"A coragem é a mais importante de todas as virtudes, porque sem coragem você não pode praticar nenhuma outra virtude de forma consistente."
Maya Angelou
Comecei a suar frio dias antes. Na verdade, semanas antes, exatamente no momento em que passei meu cartão para reservar um salto no bungy jumping comercial mais antigo do mundo, em Queenstown, Nova Zelândia. Não sou o cara mais confortável do mundo com as alturas, e a ideia de pular de uma ponte e sentir a queda livre por alguns segundos me fascinava tanto quanto me aterrorizava. Bom, se era para fazer bungy jumping em algum lugar, tinha que ser na Nova Zelândia. Clássico, seguro, cênico, memorável. Paguei minha reserva, me convencendo de que seria uma ótima forma de coroar o fim da nossa jornada pelo país e praticamente o fim do nosso sabático de 10 meses. Comuniquei minha esposa e ela nem deu bola, tínhamos muitas aventuras pela frente ainda e eu poderia desistir, sem pagar multa, até 2 dias antes do salto.
Nossas aventuras seguiram, eu deixei este “evento” estacionado na minha cabeça sem lhe dar muita atenção, e dois dias antes veio o email entitulado “LIVE MORE, FEAR LESS” com as instruções de preparação. Agora o coração começou a bater forte e eu sentia o frio na espinha toda vez que me lembrava que em 48, 36, 24, 12 horas eu estaria com os pés amarrados por um elástico que me permitiria vencer um medo, sentindo um pico de adrenalina muito intenso de forma segura. Viver mais, temer menos: era isso mesmo que eu buscava. Tomamos café da manhã e eu comi como se estivesse me preparando para correr uma maratona; meu cérebro deve ter associado antecipação por desafios com a ideia de “forrar o estômago” para a escassez. Depois de devorar um belo avocado e um par de ovos partimos para o “evento”. Karawau, onde fica a ponte que pulei, é um lugar incrivelmente bonito, com muita natureza e um rio de água azul turquesa passando embaixo. O lugar é tão bonito e tão profissional que me trouxe tranquilidade. O atendimento foi muito organizado e rápido e, apesar de ter chegado cedo, em pouco minutos estava me despedindo da Daiana e das crianças e me encaminhando para a ponte. Engraçado como nosso cérebro funciona: eu me via quase como se fosse um personagem de um filme onde eu era o espectador. Tudo era muito surreal. A naturalidade da equipe ao amarrar e orientar os aventureiros, o lugar onde fiquei esperando a minha vez (a poucos centímetros da queda livre, mas protegido por um vidro), e a música alta e bem embalada que oferecia aquela motivação final. Chegou minha vez: coloquei o cinto (o mesmo de escalada), tive os pés amarrados, outro profissional fez a verificação de segurança e, apoiado no meu “guia", fui dando pulinhos até a beira da plataforma. Me perguntaram como eu estava me sentindo, e eu respondi: “empolgado, porém um pouco ansioso”, para o qual eu ouvi “normal; afinal, você está prestes a pular da ponte, rs". Verdade, e foi prestes mesmo. A orientação foi: “eu vou contar 5, 4, 3, 2, 1 e falar bungy, que é quando você pulará, OK?". OK, bora. Eu tinha certeza de que não desistiria, mas o coração queria sair pela boca. Olhei para a frente, dei tchau para a câmera tentando parecer tranquilo, olhei para o lado e abanei para minha família, que me assistia a distância - agora eu tinha que ser exemplo de coragem para as crianças, né? -, e sem pensar muito, pulei.
A sensação de queda livre é maravilhosa. Me senti leve, presente, grato, feliz. Gritei e vibrei por estar vivo, por ter vencido um medo, e me senti extremamente privilegiado por estar no meio de tanta beleza natural.
Foi tudo muito rápido, porém igualmente marcante. Fui recolhido por um barco no rio, subi as escadas de volta, abracei meus filhos e esposa, e sentei para dar sentido àqueles segundos. Difícil dar um sentido estruturado, mas com a adrenalina correndo densamente nas minhas veias, eu me senti mais vivo, capaz e corajoso do que antes. Foi bem mais fácil do que havia imaginado.
Coragem é um tema que estudo - e pratico - com afinco. Coragem não é a ausência do medo, mas sim o ato de enfrentá-lo de forma consciente, consistente e intencional por meio da ação. Consciente porque é importante analisar racionalmente o que se teme, e encarar o desafio aos poucos, entendendo os riscos; consistente porque é importante que seja perene, praticado com constância; e intencional porque deve fazer parte de algo maior, cujo objetivo é avançar em direção à melhor versão de si mesmo.
Sem coragem, somos limitados a viver nossas piores versões, repetindo padrões passados e reforçando crenças e comportamentos que não servem nem a nós e nem ao mundo. A ausência da coragem, que é o medo que paralisa e aterroriza, é um desserviço à vida própria e à vida das pessoas ao nosso redor. É a covardia que nos leva a sermos nossos piores inimigos. No entanto, a vida moderna incentiva vivermos falsas aventuras através das telas e a sermos falsamente corajosos no mundo virtual. Enquanto isso, no mundo real nos isolamos cada vez mais, esperando que o mundo nos ouça e adivinhe o que precisamos, o que queremos, e o que desejamos comunicar. Por comodismo, preguiça, desorganização e a sensação de que tudo é tão superficial e passageiro, perdemos múltiplas oportunidades de comunicar e agir de acordo com os nossos valores mais profundos. Nos acostumamos a não sentir mais frio na barriga, e na presença do menor desafio, fugimos. Deixamos de falar para nossos familiares, amigos, colegas e chefes aquilo que aspiramos, esquecemos de pedir acreditando que a Internet terá a resposta para tudo, e quando percebemos que estamos com medo, fugimos para … as telas. Sem coragem, deixamos de questionar aquilo que fomos condicionados a acreditar, e frequentemente não tomamos as decisões necessárias para manter ou resgatar o protagonismo em nossas vidas. Vale lembrar: a pior decisão de todas é não tomar nenhuma.
Como líderes, a coragem nos permite mostrar vulnerabilidade e humanidade, conectando com nossas equipes de forma mais autêntica e impactante. A coragem liberta a busca incessante pela imagem da perfeição, tão cultivada e ostentada nas redes sociais. Buscamos a perfeição mas, na verdade, as histórias de fracasso, os erros cometidos, e a aceitação das nossas imperfeições é que são úteis e importantes. É a partir de um diagnóstico bem-feito que o melhor tratamento é prescrito e implementado; porém, reconhecer nossas falhas internamente já é difícil, que dirá em público. Agir corajosamente é um ato de maturidade que os líderes mais fortes que conheci demonstram com naturalidade e fluidez. É a verdadeira autoconfiança. Em contrapartida, ignorar nossos erros, jogar a responsabilidade sobre o outro e culpar o mundo e a humanidade por tudo o que dá errado é um misto entre covardia e narcisismo.
Cultivar a coragem é preciso, mas ela só se manifesta se o solo estiver bem preparado para seu florescimento. Aqui, vale lembrarmos dos filósofos, que há milênios nos falam o óbvio que precisa ser relembrado - e praticado - com frequência.
Além dos filósofos, vale uma dica de ouro para o contexto profissional: tenha sempre alternativas, não deixando sua vida e carreira nas mãos de apenas uma organização. Olhar para o mercado, fazer um networking bem-feito, e ter consciência de que existem opções profissionais além do lugar em que você se encontra é cultivar a coragem. Sabendo que existem caminhos alternativos, nos sentimos menos ansiosos e mais seguros da nossa jornada, trazendo mais verdade, objetividade e pragmatismo para nossas relações profissionais. É assim que fazemos a diferença em nossas carreiras: não tendo medo de perder o emprego porque sabemos que existem outros caminhos. Ah, e não me venha com essa de lealdade ao empregador atual: trabalho não é família, e seu empregador não será leal a você quando for preciso. Sua carreira e sua vida são absolutamente de sua responsabilidade, então cabe a cada um tecer alternativas e planos B e C para que a vontade de ser útil e relevante em seu trabalho seja maior do que o medo de comunicar e agir autenticamente (mesmo que isso ofereça riscos de interpretação por parte da organização).
A prática da autossuperação, seja no contexto pessoal ou profissional, cria músculos que nos tornam mais fortes, verdadeiros e corajosos. Nos torna mais virtuosos, na linguagem dos filósofos que tanto me inspiram. Meu salto do bungy jumping, pensando hoje, não foi nada demais; porém, é um lembrete de que, quando enfrentamos nossos medos, alcançamos novas alturas e chegamos mais perto de conquistas que antes pareciam impossíveis. Preciso fazer mais big, hairy, scary things.
Termino com um poema que faz parte de um dos livros que mais lemos para as crianças: Oh, The Places You'll Go por Dr. Seuss. Trabalhemos para não habitarmos o lugar da espera, da covardia e da inação, e sim o da ação e do protagonismo.
Let’s hike!
O Lugar da Espera
À espera de um trem partir ou um ônibus chegar,
de um avião decolar ou a correspondência entregar,
da chuva parar ou o telefone tocar,
da neve cair ou por um Sim ou Não implorar,
ou esperando o cabelo crescer.
Todo mundo só esperando.
Esperando o peixe fisgar
ou que o vento leve a pipa voar
ou ansioso pela sexta-feira chegar
ou talvez esperando pelo tio Jorge aparecer
ou uma panela ferver,
ou uma Sorte Maior
ou um colar de pérolas,
ou um par de calças
ou uma peruca cacheada,
ou Outra Chance.
Todo mundo só esperando.
Dr. Seuss
Adoro seus textos - e começar o dia (e parte da semana) com esse chamado à coragem foi um presente. Agradeço por isso.