Preparar, Organizar, Recrutar, Tracionar, Assinar
Como fazer acontecer sua primeira rodada de captação institucional
Uma das partes legais de estar facilitando uma mentoria coletiva para 11 empreendedores de alto potencial do early stage é escutar os questionamentos e dúvidas que gritam mais alto em suas jornadas empreendedoras. Uma questão que se mostrou relevante para vários deles é sobre como preparar, organizar e fazer acontecer uma rodada de captação; por isso, hoje escrevi um artigo um pouco mais técnico sobre a minha leitura do que são as melhores práticas para este fim. Gastei um pouco de fosfato aqui e resumi essas etapas num framework que apelidei de PORTAL: Preparação, Organização, Recrutamento (de investidores), Tração (da rodada), Assinatura, e Longevidade (no relacionamento com os investidores e interessados).
Como quase tudo na vida, não há playbook engessado que funcione para todos — cada empreendedor e startup tem suas particularidades. Compartilho aqui orientações práticas que serão úteis para boa parte da turma, porém o tempo que cada um ficará em cada etapa pode variar significativamente.
Antes do passo a passo, quero destacar um post do amigo Lucas Vargas, CEO da Nomad, que recém captou um série B de R$300 milhões: “Ouvimos 121 vezes a resposta "não" ao longo de 6 meses falando com investidores até fechar a captação da última rodada da Nomad, anunciada em agosto passado. 🚀”.
Gostei da humildade e honestidade da mensagem, que resume bem a jornada de fundraising para startups que é tipicamente suada e cheia de altos e baixos, mesmo para empresas com a performance, histórico e reputação da Nomad.
A rodada da Nomad foi mais complexa que uma rodada Pre-Seed ou Seed por se tratar de uma empresa mais madura e com demanda de cheques maiores, mas o ponto sobre abordar um número amplo de potenciais investidores, saber lidar com a rejeição e se manter firme com um sorriso no rosto é válido para qualquer estágio.
Vamos ao PORTAL da sua primeira rodada de captação, com os meus pitacos sobre melhores práticas:
P-Preparação (3 a 6 meses antes do Recrutamento de investidores): O objetivo desta etapa é conhecer e construir relacionamento com potenciais investidores, anjos e apoiadores. Aqui é importante ter uma lista ampla de potenciais investidores e não se limitar aos nomes mais conhecidos. Chegar até os investidores através de apresentações “quentes" é o ideal; as melhores são aquelas feitas por empreendedores respeitados pelo ecossistema (as “frias", realizadas através de mensagens do Linkedin, costumam ser as que menos convertem em interesse genuíno em conhecê-lo). A narrativa não deve ser sofisticada e o mais importante é mostrar o quão maduro você está como empreendedor, contando de onde veio, o que e por que está fazendo agora, e para onde vai. De forma coloquial, com olho no olho e sem o auxílio de slides. Sua intenção é comunicar que você é um empreendedor de alto potencial e que os investidores deveriam estar próximos. É o momento de pedir conselhos ao investidor e também de educá-lo sobre tendências que estão impactando o seu mercado, levando-o a acreditar que agora é o melhor momento da história para investir no seu segmento. Ao final da primeira interação com novos investidores, vale deixar algo como “nos próximos meses lançarei minha rodada de captação e gostaria de saber se faz sentido manter vocês no radar", ou melhor ainda “a conversa foi ótima, obrigado pelo insights! Adoraria continuar conversando, atualizando vocês e ouvindo seus conselhos; podemos falar novamente em 5-6 semanas?”. Claro que são apenas sugestões; cabe a você, empreendedor, julgar o que faz mais sentido em cada caso.
O-Organização (2-3 semanas antes do Recrutamento): A partir das respostas às conversas iniciais, é o momento de preparar a agenda para as reuniões de captação, onde o pitch agora é para valer. Aqui há uma etapa de construção da agenda, onde seu objetivo é condensar o maior número de reuniões no menor espaço de tempo possível. Portanto, tipicamente as primeiras reuniões são agendadas dentro de uma janela de duas semanas. E há também a etapa de preparação dos materiais, deixando o deck e a narrativa sucintos e redondos. Eu sempre recomendo no máximo 15 slides, idealmente 10, com uma comunicação clara o suficiente para um leigo entender sem dificuldades. A prática da narrativa deixa a fala natural e fluida, por isso eu recomendo que você encontre outro empreendedor em estágio parecido para praticar exaustivamente. Anjos, amigos e familiares leigos no assunto também são bem-vindos para ouvir, questionar e dar feedback. Enquanto a organização da agenda deve ser feita 2-3 semanas antes do Recrutamento, a preparação dos materiais deve iniciar nos 2-3 meses anteriores.
R-Recrutamento (4-10 semanas até a Assinatura): O recrutamento dos investidores acontece quando você está em roadshow, vendendo e posicionando o seu ativo como altamente atrativo. A rodada de captação está aberta, você sabe o quanto precisará de capital até atingir a próxima milestone e tem clareza sobre o que objetiva atingir nos próximos 3, 6 e 12 meses. Nesta altura você já tem um data room estruturado contendo informações e análises relevantes ao seu negócio (P&L, plano de negócios, análise de cohort, product roadmap, customer testimonials, pipeline comercial, funil de vendas, etc); no entanto, você só disponibilizará essas informações aos fundos que demonstrarem interesse genuíno na rodada. Recomendo que o empreendedor demande ao investidor o que ele gostaria de ver e por que, ao invés de compartilhar um data room padronizado e com informações que podem gerar mais confusão do que esclarecimento. Objetividade e pragmatismo são as regras do jogo. Idealmente, as primeiras reuniões com o topo do funil de potenciais investidores acontecerá em 2 semanas densas, sendo as demais reuniões desdobradas a partir de então. Você cansará de ouvir sua voz e sua narrativa, porém esse cansaço deve se traduzir em convicção e entusiasmo pela tese. Há quem recomende falar com investidores menos atrativos antes para testar o pitch, mas eu acredito em falar com os que fazem mais sentido para você antes, deixando claro que a rodada foi recém-aberta e o quanto de fit você enxerga com aquele fundo (assumindo que o material e a narrativa estão redondos e já foram testados e validados, claro). Por fim, eu gosto quando o empreendedor coloca prazo para o investidor se posicionar em relação a sua decisão sobre avançar nas análises e se comprometer. Lembre-se, o interesse em fechar a rodada rapidamente e focar na execução é do empreendedor; o investidor tipicamente se beneficia à medida que ganha tempo para aprender mais sobre o mercado, colher mais feedbacks sobre os empreendedores e perceber mais sinais de outros potenciais investidores (Os fundos top-tier estão interessados? Será que haverá espaço para nós ou temos que agir rapidamente?). Portanto, empreendedor, cabe a você ditar o ritmo da rodada, elegantemente e sem demonstrar ansiedade.
T-Tração (contínua desde o Recrutamento até o dinheiro entrar na conta): É o ritmo que se dá a rodada, envolvendo os prazos esperados e a comunicação contínua com os investidores que estão no funil e com outros que aparecerão ao longo do processo. Fazer follow-ups é OK, mas também é importante permitir tempo para que os investidores façam o seu dever de casa; por isso, recomendo o intervalo de uma semana para gentilmente questionar o investidor sobre os próximos passos. Para os investidores que demonstrarem interesse em liderar a rodada, vale dar uma atenção especial, criando e mantendo um senso de urgência para que cheguem logo a uma decisão. Ao mesmo tempo, é importante lembrar que a rodada só está finalizada quando o dinheiro entra na conta bancária, e sinalização positiva é muito diferente de compromisso em investir. Como observado no post do Lucas Vargas, da Nomad, fundraising é uma aula prática sobre aprender a lidar com a rejeição contínua. Portanto, é seu papel manter o maior número possível de investidores interessados, o que por sua vez gera urgência no investidor e potencialmente otimiza os termos para o empreendedor. Em contrapartida, é crítico manter a ética e a transparência, e jamais utilizar a boa fé de um investidor para maximizar os termos da rodada (o famoso shopping term sheets around).
A-Assinatura (1-3 meses, dependendo se a empresa já estiver incorporada nos EUA): A composição da rodada está fechada, o investidor líder aportará ao menos 40% do capital levantado, todos estão felizes com os termos e provavelmente o instrumento utilizado será um post-money SAFE, que é simples e prático para a sua primeira rodada institucional. Como investidor, prefiro assinar um SAFE com um teto (cap) de valuation claro; o desconto em relação ao preço da próxima rodada varia caso a caso. Alguns investidores investem apenas em empresas incorporadas fora do Brasil, tipicamente LLCs que protegem o investidor de eventuais responsabilidades jurídicas. Assim, dependendo da sua cap table, será necessário incorporar a empresa lá fora, o que pode ser feito em paralelo à rodada de acordo com o perfil dos investidores que avançarem.
L-Longevidade (contínuo): SAFEs assinados e dinheiro na conta, é hora de executar o que foi “vendido” aos investidores. Além disso, para uma startup que está no venture track, é fundamental que o empreendedor alimente continuamente seu relacionamento com os investidores que recém-entraram e com aqueles que se interessaram e avançaram no processo, porém não aportaram. Por isso chamo de Longevidade: é o trabalho contínuo de manter sua rede de apoio nutrida de informações e insights sobre o seu mercado, ativando pessoas específicas para problemas específicos e construindo relacionamentos sólidos para a longa jornada pela frente. Após o fechamento formal da rodada, sugiro fazer uma reunião de kick off com seus investidores líderes e decidir a cadência de encontros futuros, objetivando trazer o investidor para a resolução de problemas e discussão dos temas mais estratégicos da companhia. Eu costumo usar um template para reuniões de update ou de conselho, que cobre desde highlights e lowlights, apresentação dos KPIs relevantes, e discussão dos 2-3 temas mais quentes e estratégicos do momento.
Além disso, cabe a você, empreendedor, se manter no radar da sua comunidade de apoiadores. Vale um convite a seus investidores, advisors e apoiadores para uma visita ao escritório, para um almoço, um happy hour, ou simplesmente um check-in de 30 minutos.
Tentei ser breve, mas não é trivial simplificar um processo de tantas etapas e nuances. Abaixo, minha tentativa de representar a essência dos parágrafos acima numa figura mais objetiva:
Sinto-me confortável com a abrangência do PORTAL, porém cabe mencionar que poderia escrever muito mais, aprofundando em cada um dos pontos citados e abordando outros. Para uma visão geral, acredito ser suficiente. O desafio é colocá-lo em prática fluidamente, por isso a importância de uma rede composta por outros empreendedores, anjos, amigos e advisors que lhe sirvam de sounding boards ao longo do processo.
Na linha sobre os altos e baixos da jornada empreendedora e sobre saber lidar com a rejeição, aproveito para compartilhar a conversa deliciosa que eu e o Tiago Luz tivemos com a empreendedora Marina Proença. Marina foi cofundadora da Favo, startup de social commerce que captou mais de R$250 milhões, atraindo capital de mega investidores como Tiger Global e sendo matéria do Techcrunch em 2021.
Em 2022 a Favo encerrou suas operações no Brasil, seu principal mercado até então, e pouco tempo depois Marina desligou-se da operação. Neste episódio, Marina compartilha sua experiência de luto e desapego de uma startup que era muito mais do que um “trabalho” ou um “projeto” para si — era, na verdade, uma expressão da sua identidade e dos seus valores. A conversa está repleta de autenticidade, vulnerabilidade e inspiração. Marina agora se dedica a sua nova empreitada, a Mentora.ai, além de outros projetos incríveis que você só vai saber escutando :). Dê uma olhada abaixo, ou confira no Youtube ou Spotify; vale ouvir até o final, está bem legal.
Quero ouvir sobre o que você gostaria que eu escrevesse - fique à vontade para responder a este email, comentar, ou me escrever no alex@letshike.io.
Obrigado por me acompanhar, um abraço, e vamos que vamos!
Alex
“Coragem é graça sob pressão"
Ernest Hemingway