Permissão para pausar, desviando da Main Street, e fundos de VC que geram receita (além das management fees)
Três reflexões quase aleatórias
Para começar, um poema para empreendedores que eu li na newsletter da reboot.io e que me inspirou:
Eu cuido de mim mesmo como cuidaria de um jardim.
Eu o rego com amor e lhe dou luz solar e ar fresco.
Eu arranco os pensamentos ruins que tentam sufocar os bons.
Eu podo os galhos que já não são necessários.
E eu planto novas sementes de esperança e possibilidade.
Eu cuido de mim mesmo porque sei que eu mereço.
Rupi Kaur, "Cuidado Próprio"
Chegamos na Ásia há quase vinte dias e em Ubud, localizado no coração da ilha de Bali, há uma semana. Tem sido tão intenso que parece que faz 1 mês. É em Ubud que ficaremos por alguns meses, lugar escolhido por sua riqueza cultural, natureza abundante, e oferta de escolas que fizeram nossos olhos brilharem. Na última segunda-feira as crianças começaram o ano letivo na Wood School, uma escola baseada em princípios neo-humanistas que promete nutrir não apenas o intelecto, mas também o coração e o espírito dos aprendizes. Por enquanto as crianças estão adorando brincar nos campos de arroz e estudar em salas de aula sem parede, além de praticarem meditação e yoga diariamente com colegas do mundo todo. Mais para frente cabe um post dedicado aos aprendizados dessa experiência, aguardem.
Em paralelo, eu e a Daiana rodamos pelos vilarejos mais próximos à escola em busca da casa que nos acomodará até o final do ano. Tudo isso tem sido bastante intenso, ocupando boa parte do dia, enquanto boa parte da noite, tipicamente das 19hrs às 22hrs, horário local, eu estou online com clientes e amigos do Brasil. Em função dessa correria deliciosa, eu me permiti ser menos disciplinado com os “nice to haves” da minha vida, como a escrita desta newsletter, por exemplo. Por isso não postei conforme o calendário de postagens que havia planejado. E está tudo bem; está tudo ótimo, na verdade. É bom diminuir a pressão sobre mim mesmo em relação a tudo o que quero fazer. No fim, foi isso o que vim buscar aqui do outro lado do mundo, e estou encontrando. Eu já sabia, mas só vivendo para sentir: longe do que nos é familiar nos permitimos enxergar a vida por outro ângulo, e isso abre inúmeras possibilidades.
Hoje, após deixar as crianças na escola de scooter (vai o Kai na frente, eu no meio, e a Aisha atrás), decidimos explorar Ubud a pé. Ubud é reconhecido globalmente como um centro espiritual e de práticas orientais de bem-estar, atraindo pessoas de todo o mundo que se reúnem para exercitar a yoga e a meditação, principalmente. As ruas principais são cheias de lojas de produtos de yoga, meditação, restaurantes veganos, spas oferencendo “foot massage” por 5 doletas, e quinquilharias para os turistas. É interessante, mas não é o que viemos buscar. No Google Maps mapeamos uma trilha que passava pelos campos de arroz e fomos atrás dela. Dobramos numa esquina inesperada da rua principal de Ubud, a Jalan Raya Ubud, passamos por corredores apertados entre um vale e casas locais, e logo estávamos cercado de campos de arroz e da abundância natural que procurávamos. Seguimos caminhando por duas horas, o ruído das buzinas ficou pra trás e a trilha ficou mais fechada. Paramos de cruzar com viajantes ocidentais por algum tempo, mas encontramos um “warung” para nos hidratar com um coco e comer uma pitaya e uma manga fresca. Na volta, por outro caminho, encontramos um templo lindo e colocamos o “sarong” para visitá-lo. Fomos saudados com alguns “selamat pagir”, bom dia em Bahasa. A caminhada rendeu mais do que esperávamos, foi bem legal. Sei que é clichê, mas é verdade: como é bom desviar da rua principal e descobrir o que existe nos lugares menos conhecidos.
Por fim, algo que venho refletindo recentemente é sobre o modelo de negócios dos fundos de venture capital (VC). Tipicamente, os general partners (GPs), ou sócios dos fundos, são remunerados através de uma management fee, que é uma taxa de administração que gira em torno de 2% ao ano do capital sob gestão, e 20% do lucro líquido do portfólio (o que pode demorar mais de 10 anos para se materializar, especialmente em mercados menos maduros como a América Latina). É um modelo praticado desde que a indústria de VC se popularizou nos EUA, ao redor dos anos 70, e pouco mudou. Na prática, uma vez que o fundo esteja captado é um modelo bastante confortável aos gestores. Até pouco tempo atrás eu fazia parte deste sistema, e não o enxergava de forma crítica. Mas eu saí e agora estou trabalhando como mentor e conselheiro de startups que me procuram não porque eu potencialmente investiria nelas como VC, mas porque enxergam valor na minha jornada e no meu ponto de vista. Como VC, eu acreditava que agregava valor aos fundadores das empresas do portfólio através de participações em conselho e mentorias, mas era difícil medir este valor porque ele era gratuito e fazia parte de um pacote exclusivo às companhias investidas. Hoje, trabalho com todos os tipos de fundadores, incluindo aqueles que fogem do padrão “clássico” valorizado pelos fundos tradicionais, e cobro pelo meu trabalho. Está sendo riquíssimo trocar, aprender, e ajudar empreendedores sedentos por fazer acontecer e que, por vezes, são negados deste tipo de ajuda por profissionais de venture capital que tanto poderiam ajudar. Está sendo bom me expor e sentir diretamente o valor do meu trabalho, de forma objetiva e subjetiva. Por isso eu reflito: e se os fundos de VC também tivessem que gerar receita além das management fees? Enxergo um cenário onde os VCs criam mais valor escalando suas experiências e expertise através da oferta paga de mentorias, eventos, workshops, e atividades que dêem acesso a mais empreendedores ao conhecimento que hoje circula entre poucos. Os incentivos dos general partners em fomentar, mentorar e conectar o ecossistema, e aprofundar seus conhecimentos em áreas específicas a ponto de ter clientes dispostos a pagar por isso estariam mais alinhados. Seria um misto de consultoria com casa de investimentos, o que eu consigo enxergar como uma plataforma e comunidade empreendedora mais equilibrada e inclusiva. Os gestores teriam linhas de receita diretamente relacionadas a performance, além dos longos ciclos de investimento, sendo que parte da receita seria alocada em novos investimentos, aumentando a skin in the game dos VCs no curto e médio prazo. Gosto desse modelo principalmente para o early stage. Tem gente pensando e agindo assim. É um modelo mais empreendedor e menos confortável ao VC, e isso é bom. Na América Latina, a ACE e a Latitud estão indo por essa linha; já nos EUA, o hustle fund me inspirou com suas iniciativas educacionais e modelo híbrido.
Viver de management fee é bom, mas skin in the game é melhor ainda.
Obrigado por me acompanhar e vamos que vamos!
Let's hike!
Alex