Eu não tenho a resposta. Ninguém tem. Mas vale especular o que está na minha cabeça e na de (quase) todo mundo: o que restará para nós, humanos, num mundo tomado pelas máquinas? Se os robôs conseguem entrar na minha vida a ponto de eu não precisar mais dirigir para o trabalho ou levar meus filhos na escola, gerenciar minha agenda, lembrar e destacar onde eu deveria focar esta semana (em função daquilo que foi falado e combinado), mapear e destacar as empresas que se destacam e que eu deveria estar analisando e engajando para comprar, me dar feedback sobre como ser um melhor líder e gestor, e por aí vai, o que restou para este ser feito de matéria orgânica?
A insegurança bate, e bate forte. São tempos de mudanças rápidas e profundas, mas é importante olhar o mundo com um pouco mais de perspectiva. O ser humano, ao longo de sua história, sempre passou por momentos de reinvenção e adaptação. No final do século XIX, por exemplo, o medo de que a industrialização substituísse o trabalho manual foi um tema recorrente. Mais recentemente, o avanço da internet e das tecnologias digitais gerou a mesma sensação de incerteza. E, como sempre, a humanidade se adaptou. Mas algo está claro: se todos tiverem acesso às mesmas ferramentas e buscarem resolver os problemas da mesma maneira, não haverá diferenciação entre os resultados. Isso vai levar à comoditização dos trabalhadores do conhecimento.
Profissionais do conhecimento, aqueles que são remunerados pela sua capacidade de gerar resultados acima da média, sempre se destacaram pela especialização e pela habilidade em tomar riscos calculados. Quanto mais habilidades específicas e experiência se acumulam, mais alto é o valor agregado por esses profissionais. Mas à medida que o acesso a informação e conhecimento especializado se torna mais democrático, o valor começa a cair. A famosa lei da oferta e demanda entra em cena. Contudo, isso não significa que o fim do trabalho, ou da diferenciação, está próximo. Afinal, o ser humano é flexível, criativo e resiliente. Eu acredito que nós não vamos ficar parados, vendo o mundo como o conhecemos se desintegrar. Ao contrário, a partir das mesmas ferramentas, aqueles que estiverem à frente de como usar informação e conhecimento para tomar decisões mais ousadas criarão soluções, darão passos maiores e produzirão resultados que se distanciam do padrão.
Sempre haverá aqueles que se destacam, que assumem mais riscos, que são ousados e criam valor único a partir da informação e do conhecimento. A IA pode ser uma excelente ferramenta para elevar o padrão de tudo o que fazemos hoje. Usar IA como co-piloto, que sugere, critica e enriquece nossas atividades intelectuais, já é uma realidade. E isso é assustador? Sim. Mas também é algo que nos empodera. A tecnologia estará a nosso serviço, não para nos substituir.
No entanto, quando pensamos em IA, é essencial não perder de vista que conhecimento não é sabedoria. Um software pode processar dados, encontrar padrões e até mesmo sugerir soluções, mas ele não possui uma das características mais valiosas do ser humano: o senso crítico, que leva em consideração não apenas a razão, as os efeitos de segunda e terceira ordem causados, principalmente, pela emoção. A sabedoria vai além do conhecimento adquirido; ela é alimentada pela experiência, pelas emoções, pelas interações humanas e pela capacidade de refletir sobre o impacto das nossas ações.
Fugindo do contexto profissional, o que nos torna humanos é algo mais profundo. Trabalho é um meio, não um fim. Não podemos nos apegar à nossa identidade profissional a ponto de acharmos que não temos valor caso esta identidade seja tirada. Somos mais do que um crachá, mais do que o que fazemos para viver. Se nos tirarem um crachá, seremos capazes de criar outros. E, mais importante, seremos capazes de criar outras formas de nos realizarmos, novas formas de impactar o mundo ao nosso redor.

Perguntei ao ChatGPT o que nos torna humanos, e aqui está a resposta dele: “O que nos torna humanos são características únicas que definem nossa essência. A capacidade de ter consciência e refletir sobre nossa existência é um dos aspectos centrais. Somos capazes de questionar nossas ações, nossas escolhas e o futuro que queremos construir. Nossas emoções complexas, como empatia, amor e tristeza, nos conectam profundamente aos outros, permitindo-nos viver experiências compartilhadas e entender o mundo de uma forma única. Além disso, nossa criatividade e inovação nos permitem criar e imaginar novas realidades, seja na arte, ciência ou tecnologia, o que nos torna capazes de transformar o mundo ao nosso redor. A linguagem e a comunicação desempenham um papel crucial, pois nos permitem compartilhar ideias complexas, construir sociedades e expressar sentimentos de maneira profunda. A moralidade e a ética também fazem parte de nossa natureza, com a constante busca por princípios que guiam nosso comportamento e nossas interações com os outros. Nossa habilidade de aprender ao longo da vida e transmitir esse conhecimento às futuras gerações nos permite evoluir como indivíduos e como sociedade. Por fim, a busca por um propósito maior, seja pessoal, religioso ou filosófico, nos impulsiona a viver de maneira mais significativa.”
Embora a IA possa apoiar em muitas dessas áreas, ela jamais será capaz de substituí-las de forma plena. Somos seres com um entendimento emocional profundo, uma busca constante por significado e, acima de tudo, a capacidade de aprender e evoluir de maneira contínua. Isso é o que nos torna humanos. Enquanto a IA nos ajuda a fazer mais e com mais precisão, somos nós, com nossa sabedoria e criatividade, que damos verdadeiro sentido às nossas ações. Robôs são apenas razão, sem emoção ou consciência. Resolvemos problemas e vivemos tudo isso a partir de dores que somente a matéria orgânica pode sentir. E, a partir dessa dor, encontramos soluções que ainda não viraram bytes, que não foram codificadas ou registradas no universo digital. O propósito, além do material, é papel de cada um, sendo o trabalho de uma vida.
Tudo o que mexe com nosso senso de segurança tira o sono. Sempre foi assim, está no DNA humano. Aqui, reflito sobre duas coisas: (1) a insegurança é uma constante — por mais que tentemos buscar previsibilidade, a vida é fluida, e a dor muitas vezes está na busca pela segurança, não na aceitação da impermanência, como defende Buda; (2) a necessidade nos força ao novo e rompe barreiras — ainda não sabemos os desafios que nos aguardam, mas sabemos que sempre daremos o nosso jeito. A necessidade, de fato, é a mãe de todas as invenções.
Viver de verdade é arriscado.
Vamos que vamos!
Alex
P.S.: Compartilho uma música que me inspira e provoca, do mestre Eddie Vedder. Escutei a primeira vez no filme Into the Wild, um clássico dos apaixonados por natureza (como eu).
Society (Eddie Vedder)
Oh, it's a mystery to me
Ah, isso é um mistério para mim
We have a greed, with which we have agreed
Temos uma ganância, com a qual concordamos
And you think you have to want more than you need
E você acha que precisa querer mais do que precisa
Until you have it all you won't be free
Até ter tudo, você não será livreSociety, you're a crazy breed
Sociedade, você é uma raça louca
I hope you're not lonely without me
Espero que não esteja sozinho sem mimWhen you want more than you have
Quando você quer mais do que tem
You think you need
Você acha que precisa
And when you think more than you want
E quando pensa mais do que quer
Your thoughts begin to bleed
Seus pensamentos começam a sangrar
I think I need to find a bigger place
Acho que preciso encontrar um lugar maior
'Cause when you have more than you think
Porque quando você tem mais do que acha
You need more space
Precisa de mais espaçoSociety, you're a crazy breed
Sociedade, você é uma raça louca
I hope you're not lonely without me
Espero que não esteja sozinho sem mim
Society, crazy indeed
Sociedade, de fato, é louca
I hope you're not lonely without me
Espero que não esteja sozinho sem mimThere's those thinking, more or less, less is more
Há quem pense, mais ou menos, que menos é mais
But if less is more, how you keeping score?
Mas se menos é mais, como você está contando pontos?
Means for every point you make, your level drops
Significa que, para cada ponto que você faz, seu nível cai
Kinda like you're starting from the top
Meio que como se você estivesse começando do topo
You can't do that
Você não pode fazer issoSociety, you're a crazy breed
Sociedade, você é uma raça louca
I hope you're not lonely without me
Espero que não esteja sozinho sem mim
Society, crazy indeed
Sociedade, de fato, é louca
I hope you're not lonely without me
Espero que não esteja sozinho sem mimSociety, have mercy on me
Sociedade, tenha piedade de mim
I hope you're not angry if I disagree
Espero que não fique bravo se eu discordar
Society, crazy indeed
Sociedade, de fato, é louca
I hope you're not lonely
Espero que não esteja sozinho
Without me
Sem mim
Uma visão interessante é pensar que o ser humano está por trás da "intenção". Seremos substituídos? Não sei. Do ponto de vista biológico, acredito na evolução da espécies e acho que estamos vivendo um momento transitório em que há um "novo humano" vindo. A mente será capaz de muito mais do que hoje, seja pelo aumento da longevidade, pela ampliação da capacidade material do corpo (pense próteses, robótica, etc) e pela ampliação do alcance e volume de informação. Isso é extremamente transformador. O que "sobra" do humano atual? A força de vontade, o direcionamento disso tudo, que no final das contas é o mais essencial.