Menos: álcool, redes sociais, plástico / Mais: suor, plantas, comunidade, risadas
Meus experimentos com a ciência e a arte da felicidade
Eu sou um apaixonado pela ciência e pela arte da felicidade. Mantenho a mente aberta para experimentar novas práticas e rituais que me tragam bem-estar e tento ser disciplinado naquilo que já sei que funciona bem para mim.
Poucos sabem, mas eu sou ex-cientista, desses que publicam artigos em periódicos científicos e só acreditam em fatos e dados. Por isso eu recorro à evidência para aprender com aqueles que já se debruçaram sobre como o ser humano pode viver uma vida plena, com mais presença e menos ansiedade, e tento aplicar em mim mesmo. Mas só a ciência não é o suficiente se estamos falando de bem-estar e felicidade; também é preciso arte, fé e conexão com o divino e inexplicável, independente do aspecto religioso. Por isso, eu gosto de chamar “a ciência e a arte da felicidade e do bem-estar”.
Os filósofos já falavam sobre felicidade há milênios
A felicidade é um tema que vem sendo estudado e debatido há milênios. Os filósofos gregos, como Aristóteles, já se debruçavam sobre o assunto, e definiam a felicidade como o estado de bem-estar que se alcança com uma vida virtuosa.
Para Aristóteles, a felicidade é o bem supremo, o que todas as pessoas buscam. Ela é a realização plena do potencial humano, o que significa viver de acordo com a nossa natureza racional e moral.
Aristóteles dividiu as virtudes em duas categorias: as virtudes éticas e as virtudes intelectuais. As virtudes éticas são as virtudes da ação, como a justiça, a coragem, a temperança e a sabedoria prática. As virtudes intelectuais são as virtudes do pensamento, como a sabedoria teórica, a compreensão e o raciocínio. Para ele, a felicidade é um estado duradouro. Ela não é algo que se alcança momentaneamente, mas um estado de vida que se constrói ao longo do tempo.
As ideias de Aristóteles sobre a felicidade continuam relevantes até hoje, e nos ajudam a entender o que podemos fazer para alcançá-la: praticando justiça, sendo corajoso, controlando os impulsos e desejos e aprendendo continuamente.
Mais recentemente, com o avanço do capitalismo e do consumismo, especialmente nas sociedades ocidentais ricas, pesquisadores do campo da psicologia resolveram estudar o que de fato faz o ser humano florescer e viver bem. Viver bem parece ter se tornado um desafio perante todo o bombardeio de falsas promessas de marketing que nos levam a acreditar que o novo sapato, celular, carro e até a Coca-Cola nos trará aquilo que buscamos; no entanto, na maioria das vezes, não temos a mais vaga ideia do que de fato estamos indo atrás. Trabalhamos, juntamos dinheiro, gastamos naquilo que tanto sonhamos, voltamos a trabalhar mais para recomeçar o ciclo e dar mais um passo no caminho da suposta felicidade vendida pelos anúncios do Instagram e afins. Mas depois dos picos de dopamina que alimentam o nosso ego, o vazio volta, e parece não haver alternativa senão retomar o ciclo e esperar as recompensas, que aparecem na forma de álcool, drogas, e consumismo desenfreado.
Eu não sou nenhum guru ou ser iluminado que consegue se distanciar facilmente de tudo isso. Pelo contrário, o sistema me seduz bastante, mas no fundo eu sei e cada vez aprendo mais sobre o que realmente me faz sentir vivo. A vida é curta e é tão fácil se distrair, por isso é importante estudar, aprofundar e praticar a essência daquilo que a ciência, a arte e a filosofia nos trazem. Abaixo, resumi o trabalho de três pesquisadores do tema que nos trazem luz sobre como aproveitar nossos ~29 mil dias na Terra da forma mais plena possível, além de compartilhar o estudo sobre felicidade mais longo e completo já realizado.
Martin Seligman é considerado o pai da Psicologia Positiva, uma área da psicologia que se dedica ao estudo do bem-estar humano. Em seu livro "Felicidade Autêntica", Seligman defende que a felicidade é uma construção, e que podemos aprender a ser mais felizes.
Seligman identificou três pilares da felicidade:
Emoções positivas: experimentar emoções positivas, como alegria, gratidão e amor, é fundamental para a felicidade.
Engajamento: estar envolvido em atividades que são desafiadoras e significativas para nós também contribui para a felicidade.
Propósito: ter um senso de propósito na vida, algo que nos faça sentir que estamos fazendo a diferença, também importa.
Sonja Lyubomirsky é uma psicóloga que estuda as emoções positivas. Em seu livro "Os mitos da felicidade", Lyubomirsky defende que as emoções positivas são essenciais para a felicidade, e que podemos cultivá-las através de práticas como a gratidão, a resiliência e a autocompaixão.
Lyubomirsky também identificou três fatores que contribuem para a felicidade:
Tendências inatas: cerca de 50% da nossa felicidade é determinada por fatores genéticos.
Circunstâncias da vida: cerca de 10% da nossa felicidade é determinada por fatores externos, como nossa saúde, nosso nível de renda e nossas relações sociais.
Escolhas intencionais: cerca de 40% da nossa felicidade é determinada por nossas escolhas intencionais, como as atividades que praticamos, as pessoas com quem nos relacionamos e as atitudes que assumimos.
Se há uma fórmula para a felicidade, a que eu mais gosto é a de Jonathan Haidt
Jonathan Haidt, um pesquisador da New York University, defende que a felicidade é resultado de cinco pilares:
Conexões sociais: relacionamentos fortes com amigos, familiares e comunidade.
Propósito: ter um sentido de propósito na vida.
Autocompaixão: ser gentil consigo mesmo.
Gratidão: apreciar as coisas boas da vida.
Senso de controle: sentir que tem controle sobre sua vida.
Seu livro “A hipótese da felicidade: encontrando a verdade moderna na sabedoria antiga” é meu livro de cabeceira, e eu o recomendo a todos que queiram saber e praticar mais sobre o tema.
“A felicidade não é algo que você pode encontrar, adquirir ou alcançar diretamente. Você precisa criar as condições certas e então esperar. Algumas dessas condições estão dentro de você. Outras condições exigem relações com coisas além de você: assim como as plantas precisam de sol, água e bom solo para prosperar, as pessoas precisam de amor, trabalho e uma conexão com algo maior.
Trabalhe menos, consuma menos, apegue-se menos, conecte-se mais.”
Jonathan Haidt, A Hipótese da Felicidade
Para Haidt, a essência da felicidade está em construir melhores relacionamentos. Relacionamentos entre você e os outros ao seu redor, entre você e o seu trabalho, e entre você e um propósito maior, tipicamente relacionado a ajudar os outros.
O estudo de Harvard
O estudo mais completo sobre felicidade é o Harvard Study of Adult Development, que acompanha um grupo de homens desde a formatura na graduação. O estudo, que já dura mais de 75 anos, esclareceu aquilo que intuitivamente já sabemos, mas que o dia-a-dia tende a ofuscar. O livro The Good Life resume com palavras leves, casos reais e exemplos aplicáveis o que este belo estudo descobriu até então.
Os achados de Harvard nos mostram que a felicidade é fruto de trabalho duro. Tudo o que é bom e duradouro é consequência de trabalho duro. O bem-estar está associado a uma boa saúde física, resultado de exercícios físicos regulares e boa nutrição, a um alto nível de educação formal e informal, que leva a melhores oportunidades profissionais, e a ter uma atitude positiva em relação à vida. Porém, de todos os fatores, o mais importante são as relações sociais. Cultivar relações sociais fortes é a chave para a felicidade. Vencida uma condição financeira suficiente para trazer conforto material, felicidade não tem a ver com o acúmulo de bens materiais, status ou fortuna.
Em contrapartida …
Na contramão da felicidade e do bem-estar está tudo aquilo que oferece distração e dopamina de forma fácil, rápida e barata: redes sociais, álcool, consumismo. Estudos recentes mostram que o uso excessivo de redes sociais pode levar à ansiedade, depressão e solidão, especialmente em crianças e adolescentes. O consumo excessivo de álcool pode levar a problemas de saúde física e mental, e hoje sabe-se que o melhor é beber zero álcool. Há 20 anos falava-se que um pouco de vinho e até cerveja fazia bem à saúde; hoje está comprovado que o melhor para a saúde é zero álcool. Já estudos sobre o consumismo mostram que ele pode levar à insatisfação e ao sentimento de falta. Além disso, nossos hábitos de consumo estão ajudando a acelerar a destruição do planeta e provavelmente a maioria das nossas crianças não precisam de mais brinquedos e mais plástico. Será que eu também preciso de mais uma sandália Havaianas, de mais uma camiseta descolada para o verão e de mais um óculos escuro? Pensando friamente, é claro que não.
Do meu lado, estou trabalhando fortemente para: (1) diminuir o consumo de álcool - ajuda estar na Indonésia, onde o álcool é pouco abundante e caro. Porém, vou me permitir um vinho de vez em quando porque é um prazer que me consinto; (2) desconectar mais das redes sociais, o que é um desafio porque são as redes que distribuem minha voz e me conectam com pessoas que me impactam e que eu posso impactar. No entanto, eu e minha esposa já nos comprometemos em ficar algumas semanas off do Insta em breve para focar no mundo offline; (3) consumir menos, especialmente aquilo que é feito de plástico - estar vivendo num paraíso que sofre o impacto dos tempos modernos me abriu os olhos para temas que antes não me afetavam na mesma proporção.
Em paralelo, sei o que me faz feliz e por isso me esforço para praticar diariamente: (1) atividade física, que me faz suar e trabalhar o corpo; (2) estar cercado de plantas e me alimentar de mais plantas - há diversos estudos mostrando o efeito positivo das plantas ornamentais para a diminuição da ansiedade e do consumo de plantas na nutrição e longevidade. Além disso, Bali e a Ásia são paraísos para veganos e vegetarianos; (3) conexão com as pessoas ao meu redor, dando mais do que eu recebo, escutando suas histórias com presença e curiosidade, e compartilhando os aprendizados da minha jornada com quem possa se beneficiar deles; (4) levar a vida menos a sério, o meu maior desafio - sempre fui determinado e ambicioso; portanto, relaxar e seguir mais o “flow” não é trivial, mas estar parcialmente desconectado do mercado de trabalho formal e estar vivendo do outro lado do mundo me ajuda. Finalmente, para mim, é através da natureza que eu me conecto com o divino, e sempre que possível eu estou cercado dela.
Falando sobre levar a vida menos a sério, no último episódio do podcast Um Impossível por Vez recebemos o Rodrigo Cartacho, fundador da Sympla, para falar sobre sua jornada. O Cartacho é um cara apaixonado pela vida, daqueles bem intensos, que resolve correr 10 maratonas no ano em que completa 42 anos e é diagnosticado com doença que impacta a mobilidade. Falamos sobre a construção da Sympla, decisões de carreira, como ter a vida que você quer, intencionalidade, não linearidade, sair da bolha, ajudar o ecossistema após a venda da empresa, e muito mais.
Assista no Spotify ou YouTube, e não esqueça de nos seguir para receber os próximos - vale a pena, prometo.
Encerro este texto com um convite a você, querida e querido leitor: o que você quer menos, e o que você quer mais para 2024? É fácil se perder nas promessas de ano novo, então sugiro que você também compartilhe seus objetivos com pessoas próximas, já que está provado que anunciar suas metas de mudança aumenta significativamente a probabilidade de alcançá-las :).
Obrigado por me acompanhar, e let's hike!
Alex
"Trabalhe em seus pontos fortes, não em suas fraquezas. Quantas das suas resoluções de ano novo foram sobre consertar um defeito? E quantas dessas resoluções você já fez por vários anos seguidos? É difícil mudar qualquer aspecto de sua personalidade apenas por força de vontade, e se for uma fraqueza que você escolher trabalhar, provavelmente não gostará do processo. Se você não encontrar prazer ou reforço ao longo do caminho, então - a menos que você tenha a força de vontade de Benjamin Franklin - você logo desistirá. Mas você realmente não precisa ser bom em tudo. A vida oferece tantas chances de usar uma ferramenta em vez de outra, e muitas vezes você pode usar um ponto forte para contornar uma fraqueza."
Jonathan Haidt, Happiness Hypothesis