"Viajar significa, em última análise, nada mais do que voltar para casa uma pessoa diferente daquela que partiu."
Quase 300 dias vivendo com 7 camisetas, 4 bermudas, uma calça jeans, uma de moletom e mais um par de itens básicos me trouxeram algumas lições. Quando parti do Brasil para explorar o mundo em família e mergulhar na cultura balinesa, me achava uma pessoa relativamente simples e desapegada. Sempre tive um olhar crítico para o consumismo, e apesar de gostar dos confortos materiais, me esforçava para fazer mais com menos. Meu guarda-roupas nunca foi abarrotado, inclusive já ouvi de algumas pessoas próximas que havia espaço para “mais”. Porém, nada como sair da rotina e mudar radicalmente de contexto para rever velhos conceitos e revisitar aquilo que consideramos “normal".
Na estrada, conhecemos famílias que viajavam por mais de um ano acompanhados de uma mochila por pessoa; encontramos modelos de educação que divergem radicalmente daquilo que estávamos acostumados, e entendemos na prática que as crianças absorvem muito além do que está escrito nas apostilas (e os adultos também); vivemos o perrengue chique de viajar de campervan pela ilha sul da Nova Zelândia e fomos surpreendidos por uma cultura extremamente focada na preservação ambiental - todo e qualquer país deveria ter a sua Tiaki Promise: “Tiaki significa um compromisso sério em cuidar das pessoas, lugares e cultura". Aos poucos, ao longo dos 10 meses em movimento, fomos mudando, sem necessariamente nos darmos conta.
Há menos de uma semana pousamos de volta em casa. Tudo estava no mesmo lugar. Foi gostoso retornar ao nosso lar. É curiosa essa sensação de encontrar tudo exatamente igual: parece que vivemos tanto, tão intensamente, e por tanto tempo; porém, ao acordar na minha cama e tomar o café da manhã na mesma mesa de sempre, parece que vivi um daqueles sonhos que te levam para muito longe e parecem muito vivos, apenas para você acordar minutos depois e se deparar no mesmo lugar. Para provar que não estou maluco, encontro as crianças do condomínio e meus sobrinhos e percebo que todos cresceram significativamente. Ufa! O tempo realmente passou.
É hora de reorganizar a casa, colocar aquilo que havíamos guardado em caixas no guarda-roupas. As crianças vão desbravando o que se esconde nos seus quartos e já no primeiro dia decidem, espontaneamente, doar metade dos brinquedos que nem lembravam mais que tinham. Eles passaram 10 meses acompanhados de um ursinho de pelúcia cada um, lápis e papel; a natureza e a criatividade fizeram as vezes dos brinquedos (com zero de tela individual, apenas Netflix na tv coletiva de vez em quando). Eu vou revisitando minhas roupas e fico chocado com a quantidade de peças que havia guardado. Por que acumulei tanto? Eu me achava simples, mas o meu conceito de simplicidade foi revisitado na prática. Nada como a vida e o mundo para tirarem a prova real daquilo que intelectualmente já sabemos ou suspeitamos, mas que precisamos viver para provar e manifestar.
Outra reflexão que não sai da minha cabeça: como as crianças estavam numa escola internacional, nos preocupamos sobre como seria a volta para a escola no Brasil. Ambos avançaram nas suas séries escolares conforme o calendário brasileiro, e como pai me preocupei que não “dariam conta”, já que perderam muito conteúdo acadêmico no Brasil. Por isso, durante fevereiro e março, quando chegavam em casa da escola em Bali, eu e a Daiana começamos a trabalhar matemática avançada com a Aisha (8 anos) e alfabetização em Português e matemática básica com o Kai (6 anos). Sem material apropriado, mas com o foco e a atenção que só os pais conseguem oferecer, fazíamos 30-40min de atividade por dia. Agora, ao voltar e comparar a destreza acadêmica dos dois com o conteúdo das apostilas da escola brasileira, nos surpreendemos sobre como ambos estão avançados em relação ao que é demandado. Minha constatação: ninguém educa melhor do que os pais, e 30 minutos por dia com atenção plena e individual são melhores do que 5 horas genéricas.
Bom, aos poucos a vida vai entrando na rotina e eu volto a abraçar e a avançar na minha jornada profissional, tendo o privilégio de refletir, construir e escolher o que mais faz sentido para mim e para o mundo. Investir, construir, mentorar, criar: tudo se conversa entre si. Espero levar esta simplicidade comigo, aplicando-a ao longo da jornada: fazer mais com menos, focar no que faz a diferença, estar sempre aberto ao novo, e viver com mais presença.
Eu me achava simples, agora percebo que não era. Tá tudo bem: hoje estou melhor do que ontem, e é isso que importa.
O mundo é lindo, há tanto a construir, e é ótimo estar de volta em casa. Let's hike!
Alex
"Acredito que, ao final de tudo, de acordo com nossas habilidades, se fizemos algo para tornar os outros um pouco mais felizes e algo para nos deixar um pouco mais felizes, isso é o melhor que podemos fazer. Tornar os outros menos felizes é um crime. Tornar a nós mesmos infelizes é onde todo crime começa. Devemos tentar contribuir com alegria para o mundo. Isso é verdade, não importa quais sejam nossos problemas, nossa saúde, nossas circunstâncias. Devemos tentar."