Ego: abaixa a bola e faz
O ego, esse danado, é uma parte essencial da nossa identidade. Ele nos dá um senso de autoestima e autoimportância, mas também pode nos impedir de crescer e mudar se nos apegarmos aos rótulos que nos fazem sentir importantes. Meu cargo na empresa X, minha posição social perante os meus vizinhos e familiares, o carro que eu dirijo: o ego adora tudo isso. O ego é aquela vozinha interior que busca afirmação contínua dos outros, que quer sempre estar certa, que constantemente procura evidência para se sentir superior aos demais. No entanto, com o ego no comando é difícil enxergarmos novas possibilidades, e em momentos desafiadores o apego às mensagens do ego nos afasta da reinvenção, do crescimento e da verdade. Vale citar uma frase poderosa que Paul Graham, o co-fundador do YCombinator, cita em um belo artigo chamado "Identity”: “quanto mais rótulos você tem para si mesmo, mais estúpido eles o tornam.”
No meu papel de investidor e conselheiro eu já vi empresas quebrarem porque o ego comandava as ações e decisões da equipe de liderança. Como domar o que frequentemente parece nos dominar?
Quando o ego é descentralizado, é mais fácil manter uma perspectiva objetiva e reconhecer nossas próprias fraquezas e falhas, assim como enxergar sem medo possibilidades de crescimento e reinvenção. Afastados emocionalmente dos nossos rótulos, abaixando a bola do ego, fica mais fácil partir para a ação de forma consistente e disciplinada, a única forma de crescer.
Ao descentralizar o ego, somos capazes de nos concentrar mais nas tarefas em mãos e menos em nossa própria importância. Quando o ego não é o centro das atenções, é mais fácil manter uma visão de longo prazo e trabalhar de forma constante em direção aos destinos que almejamos, nos permitindo a humildade e força para seguirmos firmes em situações difíceis. Com obstáculos na estrada, talvez tenhamos que voltar um pouco e encontrar outro caminho - possivelmente mais agradável e que nos leve ao mesmo destino; ou que nos permita enxergar a existência de outros destinos tão bonitos e grandiosos quanto aquele que almejávamos no início da jornada.
A psicóloga e professora de Stanford Carol Dweck propõe uma teoria de mentalidade de crescimento que enfatiza a importância de ver os desafios como oportunidades para crescer e aprender. Quando adotamos uma mentalidade de crescimento, tornamo-nos menos propensos a nos apegar ao ego e mais abertos a feedback e crítica construtiva. Seu livro, Mindset, também faz parte da minha lista de livros de não-ficção favoritos.
Ego, status e felicidade
Descentralizar o ego significa deixar de se identificar completamente com ele e permitir enxergar a vida e o mundo com mais curiosidade e menos julgamento (de nós mesmos e dos outros). A busca pelo aquietamento do ego é uma busca pela verdadeira felicidade, seguindo um compasso mais interno do que externo, o que significa perseguir menos o que a sociedade define como sucesso e correr mais atrás daquilo que nos ilumina.
Cientistas sociais já provaram que a partir de uma renda mínima, que nos EUA é considerada como classe média, a correlação entre o dinheiro e a felicidade diminui. Isso significa que os ricos são ligeiramente mais felizes que a classe média, e parte disso é uma relação inversa, diz Jonathan Haidt: as pessoas genuinamente felizes acumulam riqueza material mais rapidamente porque são mais atraentes para empregadores, investidores e pares. Além disso, está provado que pessoas mais felizes são mais comprometidas com seus projetos, trabalham mais duro do que a média e investem em seus futuros.
Está claro que o ego e a plenitude são antagonistas; porém, como acalmar essa fera? Há alguns caminhos bem estabelecidos pela ciência, desde terapia medicamentosa (fluoxetina, por exemplo), terapia cognitivo comportamental (TCC) e práticas orientais milenares.
A ideia de que o ego pode ser um obstáculo para a felicidade não é nova. A filosofia oriental há muito tempo defende a ideia de que o ego é a fonte do sofrimento e da insatisfação, e que a felicidade só pode ser alcançada através da transcendência do mesmo. Portanto, focarei naquilo que funciona para mim e que pode ser praticado por qualquer um, em qualquer lugar, e sem custo: meditação e espiritualidade. O objetivo destas práticas é diminuir o ruído externo, acalmar o ego, desenvolver o autoconhecimento e viver com mais satisfação.
Meditação
Meditar é se concentrar no momento presente, em vez de ficar preso em pensamentos sobre o passado ou o futuro. Quando meditamos, aprendemos a reconhecer nossos pensamentos e emoções sem julgá-los ou identificar-nos com eles.
Para começar, há inúmeros apps, livros e cursos sobre o tema. Eu recomendo o aplicativo Waking Up, do autor Sam Harris (sou fã do seu livro que tem o mesmo nome, Waking Up), ou o clássico Headspace. De todo modo, o importante é sentar-se tranquilamente por um tempo determinado, que pode ser de apenas 5 minutos, e focar na respiração à medida em que observamos nossos pensamentos sem julgamento. Fácil falar, desafiador fazer consistentemente a ponto de virar um hábito. Porém, por que não começar (ou recomeçar) de forma leve (5 minutos) hoje mesmo?
Além disso, o professor Jonathan Haidt, em seu livro Happiness Hypothesis, argumenta que a conexão social é um dos fatores mais importantes para a felicidade humana, e que a prática da meditação e descentralização do danado do ego nos ajuda a fortalecer essa conexão.
O Happiness Hypothesis é um dos meus três livros de não-ficção favoritos. Já o li duas vezes e escutei o audio book
Espiritualidade
A prática da espiritualidade nos conecta a algo maior do que nós mesmos, seja Deus, o universo ou um sentido de propósito mais elevado. Quando nos conectamos com algo maior do que nós mesmos, aprendemos a deixar de lado nossas preocupações egoístas e a encontrar um propósito mais elevado na vida. Para mais sobre propósito, vale conferir meu artigo sobre o tema.
Jonathan Haidt argumenta que a espiritualidade nos leva a desenvolver um senso de significado e propósito, o que é fundamental para a felicidade e a realização. Isso também é verdade para a prática da gratidão, que nos permite valorizar o que temos em vez de desejar mais. Eu não sou religioso, mas me esforço para ser cada vez mais espiritualizado, me conectando com a natureza e com comunidades que me fazem sentir pequeno e parte de algo muito maior. Também me esforço para reconhecer com gratidão verdadeira meus privilégios grandes e pequenos, especialmente aqueles que comumente passam despercebidos no dia-a-dia (ex. um abraço carinhoso de um filho, o frescor da chuva, o calor do sol). Para se aprofundar sobre como os relacionamentos e a espiritualidade podem nos trazer propósito e significado, recomendo a leitura do livro The Road Less Travelled, do psiquiatra americano Scott Peck.
Um dica prática é escrever livre e diariamente num caderno tudo o que lhe vem em mente, incluindo os motivos que lhe fazem sentir-se grato naquele momento. Está provado cientificamente que manter um diário traz perspectiva, acalma o ego e desenvolve o autoconhecimento. Há quem diga que a manutenção de um diário é a forma mais barata e eficiente de praticar terapia.
The road less travelled: leitura profunda e reflexiva sobre o que importa e faz sentido
Domar o ego é um exercício constante, uma série de práticas que precisam ser vividas consistentemente de dentro para fora. Por outro lado, o que vem de fora para dentro, como rótulos e badalações, só alimenta o ego e o torna mais forte, central e dominante, nos afastando da nossa verdade e da felicidade genuína.
Nota: não sou contra reconhecimentos externos e badalações, porém acredito que devemos enxergar estes momentos como passageiros e não nos apegarmos aos rótulos e ao senso de importância (e consequente arrogância) que são fruto do que vem de fora para dentro.